quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Dentro do amar tem um frio


Pedaço de mim[Chico Buarque]por Chico Buarque e Zizi Possi
Este poema cantado faz parte da trilha sonora do drama musical "Ópera do Malandro"

Dentro do amar tem um frio
Por ele passa a erosão do forte
Arrasta os indecifráveis segredos
Do mistério em vida na morte

O revés da compaixão consome
O silêncio vago no descalabro
Faz nascer no conflito dos pobres
Os ladrões nos pomares da fome

Escuto a palavra perniciosa
Vacilações, no ar, mentirosas
A simples negação silenciosa
O desdém prolonga aos pobres

Cria num pulsar antediria
O cruel na asfixia das múmias
Desapreço escorchante sangria
Em sinfonia de um Nosferatu

Dentro de nós secou a espera
Num gesto mudo de uno verso
Somos da palavra o reverso
Da criança o pão que dividíamos

Retornamos à vértebra do tempo
O desdenho no livro da indiferença
Anafilaxia de omnipresença
No riso fácil dos ceifadores

A norma hedonista de um vazio
Um não estar num indolor não ser
A ascensão fogosa do simulacro
Dentro de nós apenas um frio

"Tempus fugit, tempus fugit"(1)
Pragas e demônios a besta mata
Bendirias, bestarias, bendizias...
"Toda badalada nos fere, a última nos mata"(2)


(1)"Tempus fugit" é uma expressão latina de: "O tempo foge".
(2) Provérbio latino-americano:"Todas 'as horas' nos fere, a última 'hora' nos mata"