quarta-feira, 31 de julho de 2013

Quisera ser e escolher pudera


Todo o Sentimento por Maria Bethânia - [Chico Buarque]

Quisera ser o vento constante
Suave que afaga os cabelos
Acaricia as curvas do corpo
Sorrateiro furtando o teu cheiro

Pudera fechar os olhos na noite
Numa desmedida ventura nos sonhos
Todo sentimento no vinho guardado
Derramá-lo em meu brando veneno

Quisera flutuar sobre a pele
Como uma folha sem rumo
Em cada suspirar do desejo
No teu corpo um desfolhar contente

Pudera ser o pensamento
Nos segundos mais íntimos
Ser no olhar de silêncio
O recolher das tuas lágrimas

Quisera ser a terra
Num abraçar das águas
Semeando os pingos de chuva
Num resto de céu lavar as almas

Pudera ter no rosto
O motivo de um riso
De uma boca sem beijo
Na saliva o sabor venenoso

Quisera espreitar na janela
A paisagem do infinito desejo
Sem adicionar as quatro estações
A longa e solitária estação da espera

Pudera consumar no tempo
A contradição dos corpos
Molhados num leito sem chuva
Onde o pecado insista sem culpa

Quisera descortinar o céu
Como a porta que sempre espera
A vida se abrir ao desconhecido
Sobre teu corpo deitar meu último suspiro

terça-feira, 16 de julho de 2013

Do sopro da vida


Melodia Sentimental [Heitor Villa Lobos] por Mônica Salmaso

Fostes no sopro do vento
Do fascínio que seduz o pouso
Ficou a tua imagem no espelho

Fostes do sopro da vida
No arfar cansado nas asas
O teu cansaço triste

Fostes na luz da noite
Feito a estrela nascente
Das sombrias luzes do mundo

Fostes na penumbra do amanhecer
A alma que não será a sombra
Esquecida nos retratos

O eterno levou contigo
Da pureza o voo à liberdade
Restou-me o sorriso da memória

No caminho incerto do dia
Da tua vida o aprender à luta
Repousas...
Repousas o agora
No teu descanso ‎do amanhã

in memoriam mater requiescat in pace
[*25.01.1925-†16.07.2013]

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A Poesia de Nietzsche


Noite de Nelson Ayres por Mônica Salmaso

Ninguém pode construir em teu lugar
as pontes que precisarás passar,
para atravessar o rio da vida
- ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo, atalhos sem números,
e pontes, e semideuses que se oferecerão
para levar-te além do rio;
mas isso te custaria a tua própria pessoa;
tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho
por onde só tu podes passar.
Onde leva? Não perguntes, segue-o.

[Autor: Friedrich Wilhelm Nietzsche 1844 - 1900]

segunda-feira, 8 de julho de 2013

No encanto das tuas sereias


Emílio Santiago - Copacabana (Alberto Ribeiro / João de Barro)
Vídeo extraído do programa ENSAIO exibido pela TV Cultura SP

Teu olhar se veste das mil mulheres
Revelam o seu lado oculto dos desejos
Nos cabelos o vagar das marés
Das tuas águas em que mergulho

Teu canto repousa em mim
O encanto das tuas sereias
Na face o sorriso dos querubins
Nos dentes o branco do marfim

Teus lábios rubros no meu olhar
Saciam o meu pane suicida
De renascer no instante do beijo
Nos olhos o cerrar no obscuro breu

Tua pele cobre os meus desejos
Revela no coração um descompasso
De um passado esquecido de ser mar
No lamento do tempo o limo petrificado

Na chuva que lava a nudez da alma
Meu tempo se enamora de si mesmo
Convive com a feiura das duas faces
Na oculta face do esquecimento

Sinto na tua metade da alma
O parto da terra de outros mundos
Sinto na metade do meu corpo
O corte umbilical dos redemoinhos

Partes em tornados de sal
Em chuva de tristes gotas
Lavas a solidão dentro de mim
Ao som dolorido das tuas águas

Vagas em mim o desejo de sereia
Pudera retroceder a vida e pausar o tempo
Ao toque mudar o sonho em realidade
Do canto te fazer nascer da paisagem

terça-feira, 2 de julho de 2013

No sonho da poesia


Paixão - Thais Gulin [De: Ivan Lins & Ronaldo Monteiro de Souza]

Não peças ao teu corpo que me olhes
Nem em tuas curvas irei perder-me
No arrepio da tua pele perseguir os lábios
Não irás em teus seios tornar-me amante

Não aos momentos sublimes do teu suor
Nem verei a transparência de tuas vestes
Nem a cegueira terei nos teus penhascos
Em queda profunda nos teus desejos

Minha delicadeza não tocará teu rosto
No macio da pele o tato se negará
Os dedos resistirão na seda o toque
Nos cabelos seduzido não quedarei    

Não ao tremor no teu corpo desnudo
A minar a estrutura do meu ego
No teu suspiro não respirarei prazeres
Calo o meu grito ao teu ventre mudo

Não entregarei aos teus lábios úmidos
Meu desejo voraz em saborear tua boca
Não saciarei na tua saliva o meu deserto
Morrerei nas bordas frescas do teu oásis

Não alimentarei no sabor da pele
O gosto do sal que me alimentas
Nem o perfume morno que provocas
No ardente percurso pelo teu corpo

Não saberei dos anseios rosados
Em teu ventre o aflorar contente
O segredo febril do teu amante
Da pureza nem o degustar ardente

Não me toques com a tua magia
Nem me seduza com teus sussurros  
Sou o avesso dos teus desejos insanos
És ainda o sonho desperto na poesia